artigos acontece nossa arte humor dialeto o comédia & o truta histórias para refletir
Sexta - 19 de Abril de 2024
COLUNISTAS 
@ SANDRA LOURENÇO
@RR RODRIGUES
Ademiro Alves (Sacolinha)
Alberto Lopes Mendes Rollo
Alessandro da Silva Freitas
Alessandro Thiago da Silva Luz
Alexandre M. O. Valentim
Ana Carolina Marques
Antony Chrystian dos Santos
Carla Leite
César Vieira
Cíntia Gomes de Almeida
Claudia Tavares
EDSON TALARICO
Eduardo Souza
Elias Lubaque
FAEL MIRO
Fernando Alex
Fernando Carvalho
Fernando Chaves dos Santos
Flávio Rodrigues
Gisele Alexandre
Henrique Montserrat Fernandez
Ivan de Carvalho Junqueira
Jack Arruda Bezerra
Jean Jacques dos Santos
João Batista Soares de Carvalho
João Henrique Valerio
JOEL BATISTA
Jonas de Oliveira
Jose de sousa
Júnior Barreto
Karina dos santos
Karina dos Santos
Leandro Carvalho
Leandro Ricardo de Vasconcelos
Leonardo Lopes
Luiz Antonio Ignacio
Marcelo Albert de Souza
Marco Garcia
Marcos Lopes
Maria de Moraes Barros
massilon cruz santos
Natália Oliveira
Nathalia Moura da Silva (POIA)
NAZARIO CARLOS DE SOUZA
NEY WILSON FERNANDES SANTANNA
Rafael Andrade
Rafael Valério ( R.m.a Shock )
Regina Alves Ribeiro
Rhudson F. Santos
Ricardo Alexandre Ferreira
Rodrigo Silva
Silvio Gomes Batisa
Sônia Carvalho
Teatro nos Parques
Thiago Ferreira Bueno
Tiago Aparecido da Silva
washington
Wesley Souza
Weslley da Silva Gabanella
Wilson Inacio

APOIADORES 


Todo o conteúdo do portal www.capao.com.br é alimentado por moradores e internautas. As opiniões expressas são de inteira responsabilidade dos autores.


Pacífico Homem Bomba

Por: Ademiro Alves (Sacolinha)

                                   Dedico este conto ao meu irmão Ricardo

 

O relógio grita desesperado.

Ronaldo acorda sobressaltado e procura na penumbra de seu quarto o despertador.

Desliga e respira fundo. Quinze para ás três da manhã de uma segunda-feira qualquer.

Ele pensa em aproveitar mais uns cinco minutinhos, mas sabe que o sono será inevitável.

Enquanto escova os dentes lembra do que o seu finado pai dizia em relação ao trabalho: “O trabalho dignifica o homem meu filho”.

Da sua boca surge um conjunto de dentes amarelados cobertos por uma espuma pastosa num sorriso discreto:

- Porra, então eu sou mais do que homem.

Trabalha todos os dias da semana e cada dia num local diferente. Sua função?

É de gritar o nome das frutas da barraca onde trabalha e atende com um sorriso nos lábios e um “muito obrigado” todos os clientes inclusive o mais hostil. Sem esquecer do caminhão cheio de caixas que ele descarrega sozinho, enquanto os seus patrões, um casal de japonês, montam a barraca.

Á noite Ronaldo cursa o supletivo numa escola próxima do seu bairro.

Quando tinha oito anos, seus pais que estavam passando por dificuldades o deixaram na companhia de sua tia, irmã de sua mãe, que morava no Rio de Janeiro. A tia que era de Porto Alegre chegou no Rio com seu marido sem dinheiro nenhum. Dali á oito meses já tinham uma casa e era a mais destacada no local onde moravam.

Ronaldo entrou para a escola e conheceu vários colegas. Estava adorando a vida nova. Era escola, futebol, barriga cheia e muita alegria. Só não entendia porque sua tia dava á ele um pacote para levar todos os dias no morro do Cantagalo. Ela dizia que era cerol. Mas chegou o dia em que a inocência de Ronaldo foi pra debaixo do chinelo e ele acabou descobrindo:

- Pô tia, a senhora me enganou dizendo que era cerol.

- Te enganei não, é que nós chamamos de cerol, é código.

- Mas eu não vou levar mais isso não...

- Que não vai levar o quê, ta pensando que eu vou te sustentar de graça, tem que trabalhar mesmo. E é o seguinte, a partir de hoje acabou a escola pra você, de agora em diante vai trabalhar pra mim e bico fechado.

Foi assim durante três anos, até que os pais dele conseguiram sair do sufoco e buscaram o menino.

Os anos se passaram com tristezas e alegrias, derrotas e vitórias, e Ronaldo só voltou a estudar com 18 anos de idade. Hoje com 23, trabalha e estuda. Logo vai se juntar com sua namorada que está grávida de cinco meses.

Olha no relógio, agarra a marmita e se lança madrugada á fora. Depois de entrar e sair de vielas e pequenas ruas sem asfalto, ele chega no local aonde seus patrões vão lhe pegar dali á dez minutos.

Olhos atentos na rua que a lua esqueceu de iluminar, senta na guia da calçada, acende um cigarro e enquanto aguarda o caminhão se põe a refletir.

A sua situação não é das boas. Os pais da sua namorada lhe pressionam, sua mãe vive batendo cartão no hospital, sempre doente. O dinheiro que recebe dos japoneses vai para a água, luz e o aluguel. E o enxoval da criança nada. Vários são os convites para entrar na vida bandida, bem que não repugna esse meio de vida, mais dia menos dia acaba aceitando o convite. A polícia rouba, os políticos também, só ele é que é o otário.

Quando ia dar sua quarta tragada no cigarro notou uma luz vermelha indo e vindo, qual fossem as luzes de uma ambulância. Mas não, é uma viatura.

Ronaldo cospe no chão, sabe que estão indo pegar dinheiro lá na boca de fumo, e não pra fazer sua segurança como diz o apresentador de um telejornal sensacionalista.

A viatura passa devagar, Ronaldo não abaixa a cabeça, prefere mostrar o rosto, além do mais não tem como esconder a sua cor. O motorista pára, três policiais descem da viatura, um deles com a mão no coldre manda Ronaldo ficar de pé e caminhar até a viatura com as mãos ao alto. Ele odeia ser revistado, ainda mais por policiais que metem a mão com voracidade no seu saco, parecendo que vão arrancar pra fora da calça.

- Ta fazendo o que aqui?

- Esperando um caminhão, sou feirante.

- E esse cheiro?

- É cigarro.

- Que cigarro o quê, um preto feio desse jeito á essa hora na rua, e dizendo que é feirante, entra na viatura.

Ele tentou mostrar o cigarro aceso e a marmita no chão, mas um tapa no rosto o fez calar.

- Entra logo vai.

Quando ergueu o pé direito para subir na traseira da viatura foi empurrado e recebeu um saco preto na cabeça.

- Se tirar isso vai morrer.

O motorista deu a partida e saiu. Ronaldo tentava ver, mas nada conseguia, já imaginava o seu corpo sendo achado no meio do mato. Após alguns minutos o carro parou, uns instantes de conversas e novamente a viatura voltou a andar. Ronaldo sabia que ainda estava em seu bairro, o sacolejar do seu corpo é constante, conhece os buracos de cada rua e ouviu quando o motorista reclamou:

- Esses filhos da puta não têm o que fazer e ficam inventando essas lombadas.

A viatura voltou a parar depois de vinte minutos. Um policial abriu a porta traseira e mandou Ronaldo descer. Ele pensou em reagir, não iria morrer assim á toa. O policial tirou o saco da cabeça e o mandou correr. Ele ficou inerte. Morrer correndo não. O PM insistiu:

- Vai caralho, quer morrer?

Ronaldo começou a correr. E ficou aliviado quando olhou pra trás e viu a viatura indo embora.

Aos poucos diminuiu a velocidade e começou a andar. Pegou na carteira o cartão telefônico e procurou um orelhão. Passou por seis, mas só deu sorte no sétimo.

- Tanto telefone nas ruas pra só um funcionar.

Quando tirou o telefone do gancho e introduziu o cartão, viu que não aparecia às unidades, ia retirar e colocar de novo, mas o telefone havia engolido o seu cartão. Preferiu não quebrar o aparelho, isso não iria trazer o seu cartão de volta. Mas tinha que ligar para o celular do seu patrão e avisar o ocorrido, sabia que ele poderia pensar que Ronaldo se atrasou e demiti-lo no ato.

Preferiu ir pra casa, nessas horas o melhor é ser paciente. Mas quem é que tem paciência depois de levar tapa na cara e ter passeado com a polícia logo de madrugada?

Ronaldo sempre é perseguido, quando não é pela polícia que sempre o enquadra, é pela depressão. Depressão que amarra sua garganta e faz cair lágrimas dos seus olhos.

O pai faleceu á quatro meses atrás, vítima de bala perdida. A namorada está grávida, a mãe doente, um emprego sem exploração ainda é um sonho.

Chegou em casa e esperou dar oito horas. Não respondeu a pergunta da sua mãe que surpresa de sua presença perguntou:

- Ué, em casa essa hora filho, não teve feira hoje não?

Ás oito ele saiu de casa, entrou numa viela, cortou a direita, desceu a rua de terra e apertou a campanhia duma casa com portão de madeira. Quando foi atendido pelo seu colega, explicou o ocorrido e pediu para usar o telefone.

A voz do seu patrão foi áspera e cheia de sotaque, e o que ele falou não foi diferente do que Ronaldo pensou. Estava demitido. Não interessa o que aconteceu, por causa dele o casal de japonês chegou atrasado no local da feira e não houve como montar a barraca.

Ele saiu da casa do colega com a cara fechada, nem atendeu ao cumprimento do seu Florêncio, dono de um bar no bairro.

Chegou em casa decidido. Abriu a gaveta da velha cômoda e pegou uma arma 38 de cano longo que pertencia ao seu pai. Esperaria até a noite para agir. Não iria para a escola, que se foda os alunos que só vão para a escola pra fazer peso. Danem-se os professores que não querem nada com nada. Que se foda todos e todas.

No seu interior havia dois sentimentos únicos. Um era o sentimento bomba e o outro era o sentimento doce. Mas acionaram o sentimento errado, acenderam o rastilho, e agora segura que o pacífico homem bomba explodiu.

 

                                      Ademiro Alves (Sacolinha), é idealizador

                                      do projeto cultural Literatura no Brasil.

                          Participa de três antologias e da Caros amigos

                                     Literatura Marginal ato III. Atualmente

                                                            procura editora para o seu

                                          primeiro livro, um romance intitulado:

                                                       Graduado em Marginalidade!

COMENTÁRIOS


Colaborações deste autor:
Para ver todas as contribuições deste autor, clique aqui.

institucional capão redondo política de privacidade newsletter colunistas contato